segunda-feira, 19 de julho de 2010

Sonho de Inverno.

Meu pai parou o carro em frente a uma casa. Faziam 15 ºC negativos em Toronto, Canadá. A cidade estava a mesma de sempre, a mesma de todos os invernos. A casa – alugada por outras pessoas em outras estações do ano – ainda era a mesma de sempre, sem nenhuma janela a menos. A casa era branca, o que era meio complicado, porque as portas e quase todo o resto da casa era pintado de branco e as cores se misturavam com a neve... Não era tão fácil encontrar a entrada.
Dei a volta no  Aston Martin V12 prateado do meu pai e abri o porta-malas quase tão delicadamente como uma garota – ah, só Deus pra saber o quanto meu pai venera aquele carro. Peguei minhas malas que não estavam tão pesadas quanto seria possível imaginar, afinal, era só uma estação naquela cidade. Só uma. Eu aguentaria mais um inverno.
Minha mãe me deu um abraço de urso – exatamente como em todo inverno, quando chegávamos aqui e eles já estavam indo pra as “férias” em algum país em que a estação fosse o verão – e meu pai disse seu famoso “Se cuide, garoto”. Amanda, minha irmã mais nova, me abraçou bem forte. Talvez até mais forte que a minha mãe, e eu a abracei também. Mandy era uma das únicas pessoas no mundo com quem eu me importava de verdade. Após a mini-despedida de cinco minutos da família, os três entraram no carro. Meu pai deu a partida e logo o carro virou a esquina. Eles foram, finalmente.
Peguei minhas malas do chão e me virei, olhando a casa de todo o inverno. Abri a porta, subi as escadas e deixei as malas no chão do meu quarto, perto da porta. Desci as escadas e andei até a porta de novo. Peguei meu casaco ao lado da porta e saí de casa. Eu não tinha exatamente uma idéia do que fazer, mas ficar lá dentro assistindo algum filme meloso de namorados é que eu não iria.
Já estava nevando de novo. Huh, neve. Algo branco que cai em flocos, mas juntos formam uma bola enorme de gelo. Fiz uma careta pra aquela cena. Era horrível, e eu já devia ter me acostumado.
Era meu terceiro inverno ali, era pra estar – no mínimo – acostumado a ver a neve. E era tudo tão igual. Nada mudava naquela cidade idiota. Quer dizer, eu nunca tinha notado algo diferente em cada inverno. No primeiro, tudo era novo. Mas depois... Nada. Sempre era tudo a mesma coisa. Mas havia algo. Algum barulho, uma vozinha calma e fina que vinha de algum lugar e cantarolava o que me parecia ser Rolling Stones. Meu olhar foi para cima, a casa do vizinho.
As casas daquele bairro eram todas iguais. A casa do vizinho era igual a minha. Pintada de branco, dois andares, um telhado normal... Quer dizer, não tão normal. Não com uma adolescente aparentemente louca sentada lá em cima, bem na ponta. Por Deus, e se ela caísse de lá? Ela esperava o quê? Alguma versão real ridícula de Super-Homem ou Homem Aranha, que a pegaria bem no momento caso ela caísse? Ela era louca, honestamente.
– Está olhando o que, garoto?
Opa. Eu fiquei encarando ela. Uau, parabéns, Joseph. Muito ótimo.
 – Desculpe. Se não for incomodar, é... O que você pensa que faz aí?
Arqueei uma sombrancelha, a olhando. Ela ficou mais séria por um momento, mas depois riu. Uma risada clara, boa de ouvir. Meio alta, talvez um pouco chamativa. Ah, ela não tem noção de que ri como uma criança de quatro anos.
– Estou olhando o céu. Caso não tenha notado, é o crepúsculo, e é lindo.
– Ah, é claro. Desculpe se atrapalhei...
–  Demetria, me chama de Demi. E na verdade, não. Atrapalhou não. Você... Quer subir aqui? – Ela mordeu o lábio inferior, sorrindo de canto, meio envergonhada.
– Você fala sério?
– É claro, ou pareço ter cara de quem está brincando?
– E como pensa que eu vou subir aí?
– Espera aí.
Ela se levantou, sem demonstrar dificuldade alguma, andou pelo telhado e acabou descendo por uma escada, e depois não deu pra ver mais nada. Demi apareceu na rua, me puxou pela mão e me levou pra dentro da casa. Subiu as escadas comigo até o segundo andar, foi até um quarto e subiu outra escada, que acabava dando no telhado. Eu, que estava com um pouquinho de medo de cair de lá de cima, fui sendo puxado com ela pelo telhado até ela soltar minha mão. Sentou-se no mesmo lugar de antes, e eu continuei parado. Por algum motivo, não deu pra mover algum músculo.
Ela usava uma calça jeans preta, uma camiseta de bandas – acho que dos Beatles, se não me engano – e estava descalça, com o cabelo todo desarrumado e sem uma grama de maquiagem. Não era gorda e nem magra demais, e o tom da pele era um branco parecido com o da neve. Ou era impressão, ou tudo no inverno do Canadá era branco como a neve que cercava tudo?
– Ei, senta aqui. Tem lugar do meu lado, caso você não tenha visto.
Ela sorriu gentilmente, talvez tentando parecer menos grossa. Não que ela tenha parecido grossa, só meio estranha, fechada. Um pouco demais na defensiva.
– É... Tudo bem.
Segui o que ela disse. “Ande devagar, com passos leves e pequenos até ir tomando confiança sobre o fato de que é quase impossível você cair daqui, a não ser que seja extremamente desastrado.” Chegando lá na ponta, sentei um pouco mais para trás do que ela. Mas Demi insistia em me puxar pra frente, pra ficar do lado dela, algo tão estranhamente sem motivo.
Já estava quase totalmente escuro. Agora, a neve caía aos poucos, em floquinhos bem pequenos. Era algo que dava vontade de pegar na mão, mas estava frio demais pra isso. Era capaz de, provavelmente, minhas mãos acabarem congelando se eu as tirasse do bolso do casaco. Ela encostou a cabeça no meu ombro, bocejando. Nem eu nem ela fazíamos alguma idéia de que horas eram, mas deviam ser seis e meia ou sete da noite. Estava um silêncio entre nós, mas não era algo que incomodava. Era diferente, e era bom.
– Tira os tênis. – Ela sussurrou, algo quase impossível de se ouvir se não fosse pelo silêncio.
Não sei exatamente porquê ela disse isso, mas obedeci. Era estranho fazer o que afirmam sem nem resistir ou perguntar o motivo. Mas eu tirei, ficando só com as meias nos pés.
– Agora vem comigo. – Ela sorriu, parecia feliz. Um sorriso sincero.
Ela me levou pra baixo de novo, e saímos andando pelas ruas cobertas por uma neve gelada e fofinha; toda aquela neve parecia um pouco as nuvens. Ela parou de andar e eu parei também, já que estávamos andando de mãos dadas. Algo extremamente estranho pra duas pessoas que nem se conheciam algumas horas atrás. Ela voltou a me puxar, agora em direção a um lugar alto, com algo que era, aparentemente, um gramado coberto pela neve. Era meio isolado, mas não era longe das nossas casas. Só era quase impossível ouvir vozes que não fossem as nossas. Ou, no caso, a voz dela. E então paramos de andar, e ela voltou a sussurrar coisas sem sentido.
– Estamos caminhando sobre nuvens. A gente não pode ouvir nada daqui de cima, além dos nossos sussurros.
Demi sorriu, eu sorri. Nós dois sorrimos, e então eu fechei os olhos. O que ela falava era estranho, mas era profundo. Era bonito.
– E, mesmo quando escurece, a gente sabe que não importa para onde a gente aponte.
Ela suspirou, eu estava tão absorto tentando entender o que ela dizia, que quase não ouvi o suspiro. E então ela passou um dos braços pela minha cintura, me abraçando de lado e deitando sua cabeça no meu ombro, assim como fez no telhado. Depois, a única coisa que deu pra ouvir, foi o que faltava da frase, poema, ou seja lá o que ela estava falando ou recitando. Sua voz era serena.
– Vai ser sempre céu, e seremos sempre nós.
Era evidente que ela estava sorrindo.

Um comentário:

  1. Parabéns pelo blog
    http://textoseafins-mrl.blogspot.com/
    Da uma olhada, é seduzente e intrigante ;D

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